Fábio Sarubbi Raposo do Amaral trabalha com biologia evolutiva, ornitologia, sistemática molecular, filogeografia, taxonomia e genética. É Pós-Doutor e Doutor pela USP, com período sanduíche no Louisiana State University Museum of Natural Science. ). Bacharel e Licenciado em Biologia pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Revisor dos periódicos internacionais Molecular Ecology, The Auk, Biological Journal of the Linnean Society, Journal of Raptor Research e Bird Conservation International, e membro do núcleo de taxonomia do Comitê Brasileiro de Registros Ornitológicos.
1. De inicio, dê um esboço sobre você, naturalidade, formação e onde vive atualmente.
R – Olá! Muito obrigado pelo convite - é um prazer participar de uma iniciativa tão legal como esse site, e ver jovens talentos como o Willian se juntando ao time de cientistas brasileiros interessados em aves de rapina. Meu nome é Fábio Raposo do Amaral, nasci em Santos (SP), e vivo em São Paulo há 13 anos. Me formei em biologia pela Universidade Mackenzie em São Paulo, e desenvolvi meu doutorado e um pós-doutorado na Universidade de São Paulo.
2. Como surgiu sua paixão pelas aves? E como iniciou na ornitologia?
R – Desde muito pequeno bichos e plantas eram minha diversão, mas ainda não tinha nada muito forte com aves até entrar na faculdade. Durante a graduação resolvi que seria ilustrador científico. Como era auto-didata, comprei alguns livros que tinham pranchas bonitas para estudar (incluindo um que tive que guardar um dinheirão para comprar, o fantástico “Ornitologia Brasileira” do Helmut Sick). Como minhas pranchas estavam evoluindo num ritmo lento (jogava fora a maioria...), me desistimulei e decidi largar a ilustração. Mas comecei a dar mais atenção ao texto do livro do Sick – o que foi um caminho sem volta. Desde o começo meus bichos favoritos eram os acipitrídeos e falconídeos. Pensar que estava num dos lugares do mundo com maior diversidade destas aves era muito estimulante.
3. Dentre as aves de rapina, qual sua espécie favorita?
R – Todas são espetaculares ao seu modo. Posso escolher mais de uma? Gosto muito de Amadonastur lacernulatus e Pseudastur polionotus – bichos elegantes, e que possuem aquela plumagem preta e branca lindíssima, que pode ser fruto de um processo evolutivo muito legal chamado convergência (quando características semelhantes surgem de forma independente em espécies distintas). Minhas favoritas fora do Neotrópico são Aquila verrauxi (África) e Haliaeetus pelagicus (Ásia).
4. Quais suas linhas de pesquisa, área de atuação?
R – Minha linha de pesquisa envolve a intersecção de duas paixões - aves e evolução.
5. Destaque seus principais trabalhos/pesquisas executadas
R – Comecei no Museu de Zoologia da Universidade de São Paulo com taxonomia alfa, trabalhando com macucos, sob orientação do Dr. Luís Fábio Silveira. Aprendi muito naquelas gavetas, e confesso que toda vez que sinto cheiro de naftalina tenho boas lembranças. Daí pra frente as coisas mudaram bastante – escolhi um grupo bem diverso de gaviões (gaviões buteoninos) que ocorre em quase todo o mundo, para estudar sistemática e biogeografia sob orientação da Dra. Anita Wajntal, colaborando com um time de craques nos EUA e Áustria. Recentemente finalizei um pós-doutorado sob supervisão da Dra. Cristina Miyaki e com colaboração de um pesquisador americano, onde exploramos processos evolutivos em uma escala mais recente com duas espécies de tamnofilídeos da Mata Atlântica, usando múltiplos marcadores moleculares independentes.
6. Qual foi o evento ou momento mais marcante de sua carreira?
R – Talvez a publicação do meu primeiro trabalho – foi engraçado e emocionante ao mesmo tempo pensar que aquelas coisas que tinha escrito estavam disponíveis para qualquer pessoa - de qualquer lugar do mundo - ler, comentar, replicar, criticar ou até tentar provar o contrário.
7. Em 2003, você junto a pesquisadores brasileiros e de outras nacionalidades, iniciaram um estudo sobre a história evolutiva dos gaviões buteonine. Em qual continente se originou esse grupo? Quais foram os fatores mais importantes na irradiação, diversificação e no sucesso destes gaviões no mundo?
R – De acordo com nossas árvores filogenéticas, essa radiação quase global se originou na região Neotropical, que engloba a América do Sul e América Central, e que concentra a maior parte das espécies deste grupo. Nossos resultados sugerem também que alguns eventos podem ter sido especialmente importantes para a diversificação do grupo em novos ambientes, como o desenvolvimento do comportamento migratório (permitindo a colonização de regiões mais frias, por exemplo), o desenvolvimento do Istmo do Panamá (permitindo a colonização do resto das Américas), e a exposição periódica do Estreito de Bering (permitindo a colonização do Velho Mundo). O hábito migratório de algumas espécies pode ter contribuído para especiação em ilhas oceânicas, já que muitas destas espécies são proximamente relacionada à espécies altamente migratórias. Outro aspecto importante para a radiação deste grupo foi a diversificação em diversos ambiente distintos, que vão de manguezais e desertos à florestas úmidas, por exemplo.
8. Em Galápagos habita uma das poucas espécies de gaviões restrita a ilhas, o gavião-de-galápagos (Buteo galapagoensis). Como essa espécie chegou à ilha? Através de uma migração irregular?
R – Diversos autores têm discutido na literatura recente que a migração pode gerar diversidade ao isolar grupos de indivíduos migrantes em ilhas, onde se estabelecem, perdem o hábito migratório em poucas gerações, e divergem com o tempo das espécies do continente. O caso dos gaviões buteoninos é muito ilustrativo não apenas no caso de B. galapagoensis de Galápagos, mas também de B. solitarius (Hawaii), e B. ridgwayi (Hispaniola) – todas estas espécies aparentemente derivaram de ancestrais migratórios de acordo com nossas reconstruções.
9. São várias as espécies de gaviões que possuem a plumagem preta com ventre branco, parece ser um padrão em várias espécies florestais, possivelmente fruto de uma seleção natural. Que vantagens esse "modelo" traz? Seria esses gaviões parentes ou o modelo é uma evolução convergente?
R – Excelente pergunta. É muito difícil responder, pois esse padrão pode ser explicado tanto por evolução convergente (com possível participação de seleção natural), como por retenção de polimorfismo ancestral (sem a necessidade de seleção - apenas por acaso).
10. Recentemente, graças ao seu trabalho e de outros estudiosos, as aves de rapina sofreram a maior mudança taxonômica dos últimos 80 anos, com a reclassificação de várias espécies, validação de novos gêneros, etc. Porém, outros países não adotaram essas alterações (AOU não acatou as mudanças em sua ultima atualização). Em sua opinião, é possível que essas alterações sejam padronizadas em breve pelos comitês de ornitologia da América do sul, ou será que essas divergências ainda irão persistir por muitos anos?
R – Definitivamente nossa proposta assutou por ter afetado um número grande de espécies deste grupo. No entanto, assumindo que as árvores filogenéticas que inferimos refletem a evolução do grupo, e que queremos uma classificação que seja coerente com essa história, cumprimos nossa missão. No entanto, esquemas alternativos podem sim ser propostos – e a tarefa de classificar em nível genérico sempre será altamente subjetiva. Diferentes autores podem valorizar diferentes grupos de caracteres para determinar, entre os clados inferidos, onde pendurar um nome genérico. Por isso não temos que nos preocupar com o consenso – todos são livres para adotar uma classificação que mais pareça adequada, seja ela a do trabalho original, deste ou daquele comitê. Isto é praxe em qualquer área da zoologia, e não deve ser diferente na ornitologia. Aliás, não temos que temer, mas sim celebrar a diversidade de propostas – isto indica que muitas cabeças estão pensando no mesmo problema, o que é fantástico.
11. Podemos aguardar por mais novidades na taxonomia das aves de rapina Brasileiras?
R – Existem muitos pesquisadores brasileiros de altíssimo nível trabalhando com o grupo, como por exemplo o Dr. Guilherme Renzo (pós-doc no Museu Nacional) e o doutorando Rafael Migotto (USP) com dados de osteologia, o doutorando Sidnei Dantas (Museu Goeldi) com dados moleculares de corujas, e o doutorando Francisco Dénes com taxonomia alfa de gaviões (USP), apenas para citar alguns nomes da nova geração – e tomara que muitos novos talentos brasileiros se interessem por sistemática e taxonomia de rapinantes! Muitos grupos de pesquisa no exterior também estão envolvidos com pesquisas com rapinantes neotropicais. Por fim, esse é um grupo que sempre terei interesse em trabalhar, e que acredito que ainda guarda muitas descobertas interessantes. Por estes motivos, acredito sim que podemos aguardar por mudanças em um futuro próximo.
Dr. Fábio Sarubbi Raposo do Amaral
Postdoctoral fellow
Universidade de São Paulo
Depto. de Genética e Biologia Evolutiva.
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