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Funções da coloração da plumagem dos rapinantes
Por: Willian Menq | 12 de maio de 2017
 
 

A coloração e o padrão da plumagem das aves de rapina têm diversas funções ecológicas e comportamentais, desde na escolha de um parceiro, sinalização social, reconhecimento específico, até na proteção individual através da camuflagem e do mimetismo. As cores e os desenhos da plumagem estão intimamente associados ao comportamento da ave, ecologia, clima e habitat (Bortolotti 2006).

Camuflagem e proteção

A coloração da plumagem da maioria dos rapinantes é críptica, geralmente em tons que variam do marrom ao cinza, preto ou creme. São cores que camuflam as aves com a maioria dos ambientes em que vivem, evitando que sejam descobertas por seus predadores, por suas presas ou por ambos. Essa coloração críptica está presente tanto nas fases adultas quanto nas fases jovens das espécies.

Nas corujas a coloração críptica é bem mais desenvolvida e presente em praticamente todas as espécies. Normalmente elas possuem cores e desenhos (estrias, barrados) que se assemelham com a textura de galhos, trocos e folhagens da vegetação. A plumagem críptica é fundamental para oculta-las durante seus descansos diurnos, caso contrário as corujas teriam sérios problemas com predadores diurnos e com o assédio (comportamento de tumulto) de passeriformes.


Exemplos de coloração críptica. À esquerda, corujinha-do-mato (Megascops choliba) em seu abrigo diurno. Foto: Antonio Tavora. À direita, gavião-miúdo (Accipiter striatus) oculto entre a vegetação, durante atividade de caça. Foto: Willian Menq.

O clima tem forte influência na coloração das aves. Rapinantes escuros tendem a ser encontrados em ambientes mais úmidos e quentes, os de cores claras em ambientes frios, enquanto que as espécies de tons pálidos ou pardos em regiões secas e quentes (Regra de Gloger) (Zink & Remsen 1986). De certa forma, isso é explicado pela camuflagem. Adicionalmente, nas regiões úmidas e quentes, a pigmentação escura das penas é mais resistente a degradação bacteriana, o que favorece a ocorrência de plumagens escuras (Burtt et al. 2004). Outra provável função das cores escuras dos rapinantes, pode ser a de proteção contra raios-ultravioletas, já que penas com concentrações de menina (penas escuras) são mais eficientes contra os raios UV se comparadas as penas claras (Burtt 1979, 2004).

Assim, é compreensível a coloração esbranquiçada da coruja-das-neves (Bubo scandiaca) e o falcão-gerifalte (Falco rusticolis), que habitam as áreas frias e cobertas de neves do hemisfério norte; e a coloração escura de muitos rapinantes das florestas tropicais úmidas.

Diferentes plumagens por influência do clima podem ocorrer dentro de uma mesma espécie. Um exemplo interessante é do açor siberiano (Accipiter gentilis albidus), que vive nas regiões gélidas do nordeste da Sibéria. Ao contrário das outras subespécies, os jovens A. g. albidus são frequentemente brancos, cor predominante na área de ocorrência, o que permite ocultar-se de suas presas durante as caçadas e também evitar ataques de outros competidores (Ferguson-Lee & Christie 2001). Assim que se tornam adultos, os açores dessa subespécie adquirem um cinza pálido no dorso e discretas barras claras no ventre branco, que serve como sinalizador para demostrar sua maturidade sexual e advertir possíveis competidores.

Por outro lado, o falcão-sombrio (Falco concolor), que vive nos desertos do Oriente Médio, possui plumagem bastante escura, quase negra, que teoricamente o deixaria mais detectável nas paisagens de onde vive. De acordo com Ferguson-Lee & Christie (2001) é provável que a plumagem escura do F. concolor sirva como camuflagem nas sombras das pedras e rochas, além de proteção contra a ação dos raios ultravioletas.

Também é possível que a pigmentação escura do falcão sirva como proteção contra a abrasão da areia arrastada pelo vento, uma vez que alguns autores defendem a hipótese de que penas escuras (baseadas em melanina) são mais resistentes aos efeitos da abrasão se comparadas com as penas claras (Lee e Grant 1986, Burtt 1986). Porém, essa hipótese é controversa, há poucos estudos aprofundados sobre o tema. Butfler & Johnson (2004) estudaram a resistência de penas de Pandion haliaetus com diferentes níveis de melanina (penas claras e escuras), e concluíram que a coloração pouco influenciava na resistência contra abrasões.

Além do clima e hábitat, a dieta e o modo de caça também podem influenciar na coloração dos rapinantes. Espécies de hábitos necrófagos, como os urubus e abutres, ou espécies que caçam presas pouco ativas e indefesas, como o caramujeiro (Rostrhamus sociabilis) e milhafres (Milvus), possuem tonalidades bastante homogêneas, quase sempre com as partes inferiores e superiores de mesma cor. Por outro lado, a águia-pescadora (P. haliaetus), que caça peixes próximos a superfície da água, possui uma coloração predominantemente branca por baixo, similar à plumagem de gaivotas (Larus), trinta-réis (Sterna) e de outras aves marinhas. Essa coloração é uma adaptação ao seu modo de vida, um tipo de “camuflagem de caça”. A cor branca da ave se confunde com o fundo claro do céu, deixando-a menos visível para os peixes durante seus sobrevoos por lagos e rios. Essa hipótese da cor branca como camuflagem de caça é defendida por muitos especialistas (e.g. Phillips 1962, Simmon 1972, Ferguson-Lee & Christie 2001), parecendo ser plausível.


Padrão de plumagem 'claro no ventre e escuro no dorso' presente no gavião-pato (Spizaetus melanoleucus). Foto: Willian Menq.

A plumagem branca é observada em várias espécies de rapinantes, e as vantagens são basicamente as mesmas da águia-pescadora. O gavião-pato (Spizaetus melanoleucus), que possui um branco intenso nas partes ventrais contrastado com um dorso escuro, pode se beneficiar da coloração durante seus voos de caça. O branco das partes inferiores se confunde com o céu claro ou com os raios de luz na mata, tornando-o menos visível para as presas que estiverem no solo ou abaixo dele. Do mesmo modo, se observado de cima para baixo, a plumagem escura do gavião camufla-se com o dossel da floresta ou com o solo, deixando-o menos detectável para outros rapinantes que estiverem voando acima dele, além de protege-lo contra a ação de raios UV. Obviamente, quando pousado, sua coloração extravagante do ventre não o camufla na vegetação.

Esse design - claro no ventre e escuro no dorso - parece ser bem eficiente entre os rapinantes diurnos, está presente em várias espécies não aparentadas filogeneticamente, talvez por consequência de uma seleção adaptativa para determinados tipos de habitats e/ou presas. No Brasil, cerca de 30% das espécies de aves de rapina diurnas possuem esse padrão, sendo a maioria são predadoras de presas ativas ou ágeis, como aves, morcegos, insetos ou pequenos mamíferos.

Plumagem diferente entre aves jovens e adultas

Nos rapinantes diurnos é comum os jovens apresentarem padrões de plumagem diferentes dos adultos, e os motivos dessas diferenças ainda é incerto. Baumgart (1974) desenvolveu uma hipótese sobre a importância funcional desses diferentes padrões, especialmente a importância dos desenhos barrados/estriados presente em muitas espécies. O autor sugere que indivíduos com forte barrado no peito tendem a ser mais territoriais, solitários e residentes, sendo o barrado um “sinalizador de agressividade”, com forte efeito intimidador sobre jovens ou invasores em seu território; Indivíduos que possuem as partes inferiores listradas (faixas verticais), são menos territoriais e ameaçadores; já as espécies com discretas barras ou estrias no peito, ou com coloração homogênea, tendem a ser migratórias ou mais sociáveis. Nesse grupo encontra-se também espécies altamente polimórficas com colorações não relacionadas a idade ou sexo, reduzindo qualquer função de sinalização das cores do ventre.

Dessa forma, parece razoável supor que as diferenças na plumagem entre as faixas etárias têm funções socais, onde a plumagem dos adultos funciona como advertência para os jovens, criando-se uma certa hierarquia, demonstrando através da plumagem que a ave é adulta e, consequentemente, experiente suficiente para defender a parceira (o) ou território contra outros indivíduos menos experientes.

Do mesmo modo, a plumagem do jovem funciona pode funcionar como “sinalizador de inexperiência” para potenciais parceiros (as) o evitar durante o cortejo. Para os rapinantes, parear com um jovem é arriscado, tendo em vista que indivíduos jovens normalmente não têm muita experiência (de caça e defesa territorial) para garantir os cuidados de uma prole, por isso dão preferência a aves adultas. Além disso, a plumagem jovem pode servir como proteção ou até mesmo evitar agressão por aves adultas.


Diferenças no padrão da plumagem do jovem e do adulto do gavião-caboclo (Heterospizias meridionalis). Foto: Willian Menq.

Plumagem diferente entre os sexos

São poucas as aves de rapina que possuem dimorfismo sexual na plumagem. Dentre essas poucas espécies, destacam-se os rapinantes do gênero Circus, cujos machos geralmente são de tons acinzentados enquanto que as fêmeas e jovens amarronzados. Nas aves desse gênero, a diferença de coloração entre os sexos está relacionada a camuflagem (Nieboer 1973). Essas aves nidificam no solo, e as fêmeas são responsáveis por incubar os ovos e cuidar dos filhotes, dessa forma a coloração amarronzada ajuda a camufla-las na vegetação. No caso do gavião-do-banhado (Circus buffoni), que ocorre em grande parte do Brasil, a diferença na plumagem dos sexos é mais sútil, uma vez que a espécie nidifica em capinzais altos e densos, tornando difícil a visualização das aves, não sendo necessária a camuflagem no solo.

Plumagem mimética

Alguns rapinantes desenvolveram colorações que imitam a plumagem de outras espécies. O tauató-pintado (Accipiter poliogaster) é um ótimo exemplo. O jovem dessa espécie, assim que sai do ninho, apresenta uma plumagem idêntica à do gavião-de-penacho (Spizaetus ornatus) adulto, caracterizando como um tipo de mimetismo. Imitar a plumagem do S. ornatus, que é um rapinante bem mais poderoso, pode conferir vantagens ao jovem A. poligoaster, e a principal delas está na intimidação e proteção contra o ataque de outras aves e primatas.

O jovem ‘forma clara’ do gavião-de-cabeça-cinza (Leptodon cayanensis), tem coloração que imita a do gavião-pato (S. melanoleucus), e o gavião-bombachinha (Harpagus diodon) adulto com plumagem mimética do gavião-bombachinha-grande (Accipiter bicolor) (Prum 2014). Em todos esses casos, a função da plumagem mimética é a mesma, usar-se da aparência de um predador mais forte e agressivo para intimidar competidores e outros predadores (mimetismo defensivo).


À esquerda, plumagem do jovem tauató-pintado (Accipiter poliogaster) que imita a plumagem do gavião-de-penacho (Spizaetus ornatus) adulto (à direita). Fotos: Hudson Martins (A. poliogaster), Willian Menq (S. ornatus).

Já o gavião-urubu (Buteo albonotatus), faz o uso contrário do mimetismo. Esta espécie possui a plumagem e silhueta que imita os urubus do gênero Cathartes, e usa esse “disfarce inofensivo” para aproximar-se de suas presas e captura-las (mimetismo agressivo).

Polimorfismo

Muitas espécies de rapinantes diurnos, principalmente os da subfamília buteonine e sub-buteonine, são polimórficos, ou seja, possuem duas ou mais variações de coloração frequentes na população, que são hereditárias e não alteradas pelo ambiente. Dentre os polimórficos mais comuns, destaca-se o gavião-de-cauda-curta (Buteo brachyurus) e o gavião-de-rabo-branco (Geranoaetus albicaudatus), que possuem duas variações comuns na população (formas claras e formas escuras). Nas corujas, destaca-se a corujinha-do-mato (Megascops choliba) que possui formas cinzentas e formas ruivas na população. Em algumas espécies, como no L. cayanensis, o polimorfismo se manifesta apenas no jovem, sendo que em alguns tipos ocorre mimetismo associado.

A função ou as vantagens dos indivíduos que nascem morfo escuros, ruivos, ou com outras variações cromáticas, é tema de debate entre estudiosos. Fowlie & Kruger (2003) defendem que a existência e a manutenção desses indivíduos morfo escuros/ruivos na população está relacionado ao tamanho populacional da espécie, onde populações maiores possuem mais probabilidade de mutações genéticas se comparadas as pequenas populações. Outros autores afirmam que a elevada frequência de indivíduos morfos (escuros, ruivos, etc.) é relacionado a influência do hábitat, seleção sexual, seleção apostática, ou até mesmo favorecidos pelo mimetismo (Clarke 1962, Galeotti et al. 2003, Roulin et al. 2004, Bortolotti 2006, Amar et al. 2013, Monsalvo 2014).

Desenhos da face e coloração das partes nuas

Muitos gaviões, falcões e corujas possuem faixas superciliares, estrias malares, máscaras ou faixas transcolares na face, algumas outras espécies complementadas com cristas, tufos ou penachos eréteis; sendo que muitas dessas marcações são relacionadas a idade das aves. Esses diferentes padrões de coloração e adornos são importantes instrumentos para o reconhecimento específico e interações sociais.

Na bufo-real (Bubo bubo), a área branca da garganta serve para facilitar a comunicação social durante noites claras, como demonstrado por Penteriani & Delgado (2009). Talvez as partes brancas da garganta de outras espécies de corujas, como da Jacurutu (Bubo virginianus) e murucututu (Pulsatrix perspicillata), tenham a mesma função.

Alguns rapinantes pequenos, com o quiriquiri (Falco sparverius) e as corujas do gênero Glaucidium, possuem na nuca algumas penas singulares que formam um desenho semelhante a dois olhos, chamado de face occipital.  Essa face occipital tem função de confundir presas e predadores, dando a impressão que a ave está sempre de frente, assim protegendo contra o ataque de predadores ou assédio de outras aves. Em algumas situações, a confusão gerada pelos “falsos olhos” pode favorecer a predação, como observado por Motta-Junior (2007), que descreveu o ataque de um caburé (Glaucidium brasilianum) contra uma tesourinha (Tyrannus savana) que o atacava.


"Falsos olhos" presentes na nuca da caburé (Glaucidium brasilianum). Foto: Julio Filipino.

Os penachos dos rapinantes diurnos (Spizaetus, Harpia, Aviceda) bem como os tufos de penas ‘falsas orelhas’ das corujas (Asio, Bubo, Megascops), têm função de advertência do estado de humor da ave para os outros indivíduos (Brown & Amadon 1968, Konig & Weick 2008). Quando os penachos ou as cristas estão eréteis indica que a ave está excitada/agitada, enquanto que os adornos abaixados o contrário.

Em algumas espécies, a emissão de sinais sociais é complementada pela capacidade da ave em alterar a coloração da cera ou de outras partes nuas da face. O condor-andino (Vultur gryphus) por exemplo, muda a cor do pescoço e cabeça durante o cortejo ou em outros momentos de excitações. Os caracarás (Caracara plancus e C. cheriway) são capazes de alterar a área nua próxima do bico, de acordo com seu estado de humor, indo do laranja ou vermelho (quando relaxados) para o amarelo brilhante (excitados/estressados/agitados) (Negro et al. 2006, Dwyer 2014).

Importante ressaltar que nem sempre diferenças da cor das áreas nuas significa o estado de humor da ave. Em algumas espécies, como no carrapateiro (Milvago chimachima) e no chimango (Milvago chimango), as diferentes cores da cera e outras partes nua (tarsos) estão relacionadas ao sexo e/ou idade da ave (Sarasola et al. 2011).


Caracarás (Cararaca plancus) em diferentes estados de humor. À esquerda, com área nua da face amarelo-brilhante, indicando que está agitado ou excitado; À direita, com área nua avermelhada, indicando estar relaxado.

Estudos sobre a importância da coloração das aves são surpreendentemente incomuns, e muitas hipóteses sobre a função da coloração na proteção/comportamento social das aves, ainda permanecem não testadas experimentalmente.

Será que as formas escuras de plumagem do B. brachyurus e G. albicaudatus são beneficiadas (por seleção apostática ou mimetismo) durante o forrageio? A rara plumagem melânica do jovem L. cayanensis pode ser interpretada como um tipo de mimetismo do Spizaetus tyrannus ou são apenas similares aos olhos humanos? Além dos Milvago, outros rapinantes também possuem dimorfismo sexual/etário nas áreas nuas da face? Essas e muitas outras questões só poderão ser respondidas com pesquisas de cada caso, incluindo muitas observações de campo e posteriores busca por covariações em outras espécies.

 

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Citação recomendada:

Menq, W. (2012) Aves de rapina em áreas urbanas - Aves de Rapina Brasil. Disponível em: < http://www.avesderapinabrasil.com/arquivo/artigos/ARB2_1.pdf > Acesso em: .



 

 
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