Harpia (H. harpyja) com preguiça-real
recém-capturada. Foto: Danilo Mota |
As aves de rapina possuem diversas estratégias de caça. Cada espécie tem um método adequado ao tipo de presa que costuma predar e ao ambiente em que vive.
Fox (1995) classifica as aves de rapina em dois tipos básicos: as de "busca" e as de "ataque". Os rapinantes de ‘busca’ são os gaviões-planadores, gaviões-milanos, tartaranhões e a maioria das corujas. Eles tendem a capturar pequenos roedores, répteis, anfíbios e invertebrados, dos quais são indefesos, muito abundantes, fáceis de capturar e pouco reagem durante a predação. Os ataques dos rapinantes de busca geralmente são mais simples e realizados a curtas distâncias.
No outro extremo estão os rapinantes de ‘ataque’. Neste grupo estão incluídos a maioria dos gaviões açores (Accipiter), falcões (Falco, Micrastur), águias (Spizaetus, Harpia) e alguns outros gaviões. Essas aves realizam ataques mais complexos e a distâncias variáveis. Ao contrário do outro grupo, as presas dos rapinantes de ataque são vertebrados ágeis, relativamente grandes, que quase sempre estão em alerta. Além disso, as presas apresentam um comportamento de fuga mais desenvolvido e lutam contra o predador. Os rapinantes de ataque são mais fortes e o dimorfismo sexual é bem pronunciado. Os machos possuem entre 50 e 70% do peso de uma fêmea, diferença de tamanho que resulta em presas diferentes, evitando a competição entre os sexos.
As aves de rapina já possuem muitos dos seus métodos de caça implantados geneticamente. Indivíduos jovens podem executar uma sequência completa de caça mesmo sem nunca ter caçado antes (Fox 1995; Ferguson-Lees & Christie 2001). Porém, isso é apenas uma parte do processo. É necessário experiência e prática de caça para que suas habilidades se desenvolvam completamente. Um jovem gavião-miúdo (Accipiter striatus), por exemplo, por não ter aprendido a identificar quais presas possuem melhor relação entre custo e benefício, pode atacar pica-paus-branco (Melanerpes candidus) ou outras aves que não são presas adequadas para sua espécie (Menq 2014). O fracasso nessas caçadas pode lhe servir de aprendizagem na escolha de uma próxima presa e no aprimoramento de suas técnicas de caça.
Os diferentes métodos de caça
- Caça a partir de um poleiro
A caça a partir de um poleiro é o método mais utilizado pelos rapinantes de todo o mundo, pois requer o mínimo de esforço. Neste método, a ave fica à espreita em um poleiro alto (pode ser um galho, poste, tronco), e no momento certo voa em direção à presa no solo, na água ou até mesmo no ar, em distâncias que variam de 10 a 80 metros. Se a ave não encontrar nada no poleiro usado, ela pode voar para um novo poleiro para examinar uma nova área. Por isso é tão comum observar gaviões pousados no alto de postes ou fios ao longo de estradas e rodovias, onde roedores ou lagartos atravessam e se expõem aos ataques dos predadores.
Rapinantes florestais, como os gaviões-açores (Accipiter) e falcões (Micrastur), algumas vezes executam emboscadas, empoleirando-se em poleiros ocultos pela vegetação, próximos de árvores de frutificação ou de outro atrativo, para interceptar as aves que passarem pelo local ou surpreender aquelas distraídas se alimentando de frutos (Fox 1995; Sick 1997). Em algumas regiões com cavernas, falcões e gaviões se dirigem para poleiros próximos a entrada de cavernas, capturando os morcegos em suas saídas crepúsculares.
O falcão-peregrino (Falco peregrinus) também usa a caça a partir de um poleiro. Normalmente empoleira-se no alto de penhascos, edifícios ou torres, de onde espera a passagem de pombos e outras aves. Como os ataques executados pelos falcões são normalmente muito largos (superiores a 2 km de distância), o observador de campo tende a não registrar o ínicio da caça a partir de um poleiro.
- Perseguições em voo
Este método é muito utilizado por rapinantes que caçam aves ou morcegos, como é o caso de alguns falcões e gaviões (Falco e Accipiter). Neste tipo de caça, os indivíduos voam ativamente procurando e perseguindo suas presas. O gavião-bombachinha-grande (Accipiter bicolor), por exemplo, costuma voar sobre as copas das árvores em busca de aves desatentas. No interior de Santa Catarina, um A. bicolor foi observado caçando como um falcão, planando a grande altitude e posteriormente fazendo um mergulho picado sobre um grupo de canário-da-terra (Sicalis flaveola) e tico-tico (Zonotrichia capensis) (obs. pes. J. Albuquerque). Não são raros também, relatos de falcões ou Accipiter’s dando rasantes sobre lagos ou capinzais com concentrações de aves a fim de levantar potenciais presas para captura-las em seguida.
Outro grande adepto das perseguições é o falcão-peregrino (F. peregrinus). Nas horas menos quentes do dia (inicio da manhã e final da tarde), o peregrino costuma fazer sobrevoos altos em sua área de caça, atacando qualquer ave, de pequeno a médio porte, que encontrar pelo caminho. Também costuma perseguir morcegos (Molossus spp) no crepúsculo, algumas vezes já escuro, aproveitando-se da iluminação artificial dos centros urbanos para caçar. Uma variante desta técnica usada pelo F. peregrinus é a do voo picado, onde a ave ganha alta altura e atira-se, com as asas aerodinamicamente coladas ao corpo, em velocidades surpreendentes (250 a 300 km/h) contra sua presa. A violência do impacto é de tal ordem, que muitas das aves deste modo abatidas apresentam asas partidas, contusões múltiplas, ou cortes profundos e mais ou menos extensos infringidos pelas garras do falcão em pontos vitais. Jenny e Cade (1986) já viram o falcão-de-peito-laranja (Falco deiroleucus) executar o voo picado igual o dos falcões-peregrinos. O voo picado, apesar de ser o mais impressionante, é pouco utilizado pelos falcões, sendo o método tradicional de perseguições o mais comum.
Além das espécies ornitófagas, gaviões insetívoros também realizam perseguições aéreas contra insetos voadores. Em época de revoadas, o sovi (Ictinia plumbea) e o gavião-tesoura (Elanoides forficatus) são comumente observados capturando saúvas, libélulas e cupins no ar, os quais capturam com os pés comendo os insetos em pleno voo.
- Caça a partir de um voo planado
Espécies planadoras costumam voar a grande altura se aproveitando das correntes ascendentes de ar quente, as chamadas "térmicas". Quando localizam uma potencial presa, voam em direção a ela com as asas semi-fechadas perdendo altitude, capturando-a em solo ou na água (no caso das espécies pescadoras). As espécies que têm esse comportamento de caça possuem uma visão muito poderosa, algumas águias do hemisfério norte (Aquila spp) são capazes de detectar um pequeno animal no solo a mais de 2 km de distância.
Outras aves de rapina optam pelo voo rasante e lento, vasculhando a vegetação a procura de um pequeno vertebrado. Os tartaranhões (Circus buffoni e Circus cinereus) e a mocho-dos-banhados (Asio flammeus) fazem o uso deste método, normalmente sobrevoando brejos, banhados e capinzais, capturando roedores ou pequenas aves.
- Peneirando
Esta técnica de caça é usada por rapinantes que vivem em campos naturais e áreas rurais, onde os poleiros elevados são escassos/ausentes. Nesta técnica, a ave “paira” ou “peneira” no ar, batendo as asas rapidamente sem sair do lugar, em alturas que variam de 8 a 20 m, capturando roedores ou pequenos vertebrados no solo. O gavião-peneira (Elanus leucurus) é o mais conhecido por usar a técnica, frequentemente observado peneirando sobre campos, pastagens, áreas de cultivo e terrenos baldios. Outras espécies, como o quiriquiri (Falco sparverius) e o falcão-de-coleira (Falco femoralis) também são capazes de peneirar, só que por menos tempo e em menor frequência. O gavião-de-rabo-branco (Geranoaetus albicaudatus) por vezes, realiza uma técnica parecida, só que ao invés de peneirar ele fica com as asas abertas, estáticas, contra o vento forte, permanecendo praticamente parado no ar.
Gaviãozinho (G. swainsonii) com pardal capturado através do método de caça a partir de um poleiro. Foto: Willian Menq |
Gavião-pato (S. melanoleucus) em persguição contra um bando de
periquito-rei (E. aurea).
Foto: Leonardo Patrial |
Gavião-miúdo (A. striatus) predando bem-te-vi (P. sulphuratus) após ataque surpesa.
Foto: Mathias Singer |
Gavião-do-banhado (Circus buffoni) procurando presas através de seu voo rasante e lento.
Foto: Willian Menq |
Gavião-bombachinha-grande
jovem (A. bicolor) atacando saracura-três-potes (A. cajanea).
Foto: Emerson Kaseker |
Gavião-peneira (Elanus leucurus)
"peneirando" no ar, procurando
roedores em solo.
Foto: Thiago Fenolio |
Caçadas oportunistas
- Aproveitando os incêndios
Os incêndios podem atrair várias espécies de gaviões em um número relativamente alto, que capturam no solo ou no ar animais intoxicados ou espantados pela fumaça. Essas aves ao avistarem um incêndio, logo associam a oportunidade de presas. O gavião-caboclo (Heterospizias meridionalis), por exemplo, aparece rápido nas queimadas, o que justifica seu outro nome popular “gavião-fumaça”. Geralmente pousa em galhos à frente do fogo ou caminha logo atrás das chamas, apanhando pequenos vertebrados e insetos que fogem da queimada ou os já mortos pelas labaredas. Além dele, o falcão-de-coleira (F. femoralis), caracará (Caracara plancus), gavião-pernilongo (Geranospiza caerulescens) e o gavião-de-rabo-branco (G. albicaudatus) são outros visitantes assíduos dos incêndios.
- Seguindo tratores
De forma parecida aos incêndios, algumas espécies associam a presença de tratores ou colheitadeiras em campo à oferta de alimentos. O caracará (C. plancus) é mais conhecido dessas espécies, é observado com frequência caminhando sobre a plantação recém-colhida de soja ou em terras reviradas por tratores à procura de invertebrados ou de animais afugentados pelos maquinários. Em situações assim, podem reunir-se em bandos de dezenas a centenas de indivíduos. No noroeste do Paraná, por exemplo, já visualizei mais de 200 indivíduos de C. plancus forrageando numa mesma área.
- Atacando ninhos
O hábito de saquear ninhos é bem frequente entre os rapinantes. O caracará (C. plancus) e o gavião-preto (Urubitinga urubitinga) costumam invadir ninhais de garças (Ardeidae), comendo filhotes, ovos, ou permanencendo próximo aos ninhais de aves grandes (tuiuiús, cabeças-secas) para comer restos de alimentos caídos no chão; algumas corujas (Bubo, Pulsatrix e Strix) atacam ninhos de beija-flores, pscitacídeos e outras aves durante suas caçadas noturnas. O gavião-pernilongo (Geranospiza caerulenscens), graças a suas adaptações morfológicas, explora ninhos em cavidades de árvores, buracos e fendas, capturando filhotes de aves ou de outros pequenos vertebrados. Até rapinantes grandes e pouco oportunistas, como a harpia (Harpia harpyja) e o gavião-de-penacho (S. ornatus) já foram registrados atacando ninhos de outras aves como japus e suiriris.
Enganando suas vítimas
O gavião-de-rabo-barrado (Buteo albonotatus), também chamado de gavião-urubu, apresenta uma estratégia de caça interessante. Sua plumagem e seu modo de voo imita quase perfeitamente um urubu do gênero Cathartes. Dessa forma, as suas presas (aves e pequenos mamíferos) não se sentem ameaçadas e permitem a aproximação do gavião que aproveita a oportunidade para capturá-las.
Já o falcão-tanatau (Micrastur mirandollei) desenvolveu uma tática pouco usual na caça de aves, a de atrair suas vítimas. Pousado em um poleiro baixo na floresta, emite sons para atrair suas presas, geralmente pequenos pássaros, curiosos com o som diferente. Assim, quando as aves se aproximam demais, o falcão se lança em um voo rápido e captura uma das aves. Segundo Sick (1997), os passeriformes migratórios oriundos do hemisfério norte caem com facilidade nesta estratégia do falcão, já que eles não conhecem os perigos escondidos na floresta amazônica.
Associando-se com outros animais
As aves de rapina também são capazes de associar-se a outros animais para aumentar suas chances de forrageio. A situação mais frequente é a de gaviões seguir formigas-de-correição para encontrar e capturar suas presas (Sick 1997). Enquanto que os rapinantes insetívoros se aproveitam dos insetos acuados pelas formigas, outras espécies aproveitam a oportunidade para capturar passeriformes atraídos pelos insetos. Espécies como o falcão-caburé (Micrastur ruficollis), gavião-de-penacho (Spizaetus ornatus), gavião-bombachinha-pequeno (Harpagus diodon), sovi (Ictinia plúmbea), gavião-bombachinha-grande (Accipiter bicolor), costumam seguir formigas-de-correição.
Há também rapinantes que associam-se a mamíferos, como macacos, saguis e até lobos para caçar presas acuadas pelos deslocamentos dos mesmos (Ferrari et al. 1990). Um dos exemplos mais emblemáticos é o da associação do falcão-de-coleira (Falco femoralis) com o lobo-guará (Chrysocyon brachyurus) no Parque Nacional das Emas (Silveira et al. 1997) - mais sobre o tema neste link.
- Capturando ectoparasitas
Alguns falconídeos como o caracará (C. plancus) e o carrapateiro (Milvago chimachima) se aproximam de vacas, capivaras e outros mamíferos para retirar carrapatos, bernes e outros parasitas. É um tipo de associação benéfica para ambos os animais (protocooperação). O canção-de-anta (Daptrius ater), habitante da floresta amazônica, também apresenta este comportamento sobre veados e antas.
Gavião-urubu (B. albonotatus)
e sua silhueta mimética de urubus
do gênero Cathartes.
Foto: Wilfred Rogers |
Gavião-pernilongo (G. caerulescens) explorando cavidades de árvores
na procura de presas.
Foto: Alastair Rae |
Gavião-de-penachp (S. ornatus) atacando um ninho de
suiriri (T. melancholicus)
Foto: João Sergio Barros |
Caracará (C. plancus) procurando
por ectoparasitas (carrapatos, berdes) em capivara.
Foto: Willian Menq |
Mocho-diabo (A. stygius) com saí-andorinha (T. viridis) capturado em suas caçadas noturnas.
Foto: Ualisson Eduardo |
Gavião-belo (B. nigricollis)
momentos antes da captura de
um peixe próximo a superfície da água. Foto: Stephen Jones |
Estudos sobre as técnicas de caça das aves de rapina são importantes, ajudam a compreender a relação da espécie com o ambiente, assim como dar subsídios para estratégias de conservação.
E você, registrou um comportamento interessante de alguma ave de rapina? Compartilhe! Entre em contato através do email: aves.rapinabrasil@gmail.com, sua observação pode ser publicada na página da espécie deste site.
Referências:
Fox, N. (1995) Understanding the Bird of Prey. Hancock House Publishing, Blaine,WA.
Jenny, J.P., & T.J. Cade. (1986) Observations on the biology of the Orange-breasted Falcon Falco deiroleucus. Birds of Prey Bulletin 3:119-123.
Menq, W. (2014) Comportamento de perseguição intra e interespecífica de gavião-miúdo (Accipiter striatus) em um parque urbano de Maringá, Paraná. Atualidades Ornitológicas, 179: 9-11.
Sick, H. (1997) Ornitologia brasileira. Rio de Janeiro: Ed. Nova Fronteira, 862p.
Silveira, L. , Jácomo, A. T. A., Rodrigues, F. H. G. , Crawshaw-Junior, P. G. (1997) Hunting Association between the Aplomado Falcon (Falco femoralis) and the Maned Wolf (Chrysocyon brachyurus) in Emas National Park, Central Brazil. The Condor. The Cooper Ornithological Socety. 99 : 201 – 202.
Citação recomendada:
Menq, W. (2016) Aves de rapina e suas diferentes estratégias de caça
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Aves de Rapina Brasil. Disponível em: < http://www.avesderapinabrasil.com/arquivo/artigos/ARB4_3.pdf > Acesso em:
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