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Identificação básica de rapinantes similares
Por: Willian Menq | 05 de novembro de 2016
 
 

Algumas espécies de aves de rapina são frequentemente confundidas com outras espécies, seja por possuírem a mesma coloração geral, pelas proporções ou silhueta parecida. Dessa forma, é muito comum encontrar erros de identificação de rapinantes nas redes sociais, no Wikiaves ou em outros sites de fotografia/ornitologia.

Listo aqui as espécies de rapinantes mais envolvidas nesses erros de identificação e a diagnose básica para identificá-las. O nome das partes das aves (ex. primárias, calções) presentes no texto é explicado neste link.

 
Sovi (Ictinia plumbea) x Sovi-do-norte (Ictinia mississippiensis)


Em voo são mais facilmente diferenciáveis, Ictinia plumbea adulto é identificado pelas primárias avermelhadas e pela cauda barrada, características ausentes no Ictinia mississippiensis adulto, que possui primárias escuras e cauda preta sem barras. Já os jovens de ambas espécies possuem a cauda barrada, distinguindo-se pelo avermelhado das primárias, presente no jovem I. plumbea e ausente no jovem I. mississippiensis.

Pousado, I. mississippiensis adulto pode ser identificado pela faixa clara transversal nas coberteiras das asas (secundárias), tarsos e dedos de amarelo mais apagado e pela cauda comprida (que atinge até a ponta das asas); ao contrário de I. plumbea adulto, que possui tarsos e dedos de amarelo-alaranjado mais vivo, cauda barrada e ponta das asas sobressalientes em relação a extremidade da cauda. Quanto ao “avermelhado” intenso das primárias do I. plumbea, é importante esclarecer que essa característica nem sempre é visível na ave pousada. Por isso, em aves pousadas, a ausência de avermelhado das primárias não é uma diagnose segura para excluir I. plumbea.

Jovens pousados são quase idênticos, I. missippiensis normalmente possui as estrias ventrais de marrom mais intenso e espesso, enquanto que I. plumbea apresenta as estrias mais apagadas (normalmente acinzentadas) e ralas, e garganta mais esbranquiçada. E assim como nos adultos, as primárias do I. plumbea são mais sobressalientes em relação a ponta da cauda do que em I. missippiensis.


Jovens: Gavião-de-rabo-branco (Geranoaetus albicaudatus) x Águia-serrana (G. melanoleucus)


As plumagens dos primeiros anos dessas aves são bem parecidas, especialmente quando pousadas. Para diferenciar esses dois jovens em suas “mudas” iniciais é importante atentar-se as formas e as proporções. Pousado, Geranoaetus melanoleucus é identificada pelo porte mais robusto, dedos e tarsos grossos, bico grande e calções barrados. Já Geranoetus albicaudatus, possui o corpo mais esbelto, bico menor, tarsos e dedos menos possantes, e ponta das asas sobressalientes em relação a extremidade da cauda (na G. melanoleucus a ponta das asas raramente ultrapassa o final da cauda).

Em voo são bem diferenciáveis, na G. melanoleucus nota-se o corpo robusto, cauda convexa (em forma de cunha) e as asas largas, que dá um aspecto único a silhueta. G. melanoleucus também possui estrias e manchas castanhas/creme pelo ventre e coberteiras inferiores, por vezes com área creme destacada no peito. Já G. albicaudatus tem asas mais estreitas, cauda arredondada, apresentando bastante estrias e pontilhados branco pelo ventre e axilas (coberteiras inferiores), às vezes com uma área clara na garganta.


Gavião-bombachinha (Harpagus diodon) x Gavião-bombachinha-grande (Accipiter bicolor)

Adultos dessas espécies possuem basicamente o mesmo padrão de plumagem, ambos apresentam coloração cinza, dorso escuro, com axilas e calções ruivos. A melhor maneira de diferenciar as duas espécies é pela notável faixa preta na garganta branca, característica presente no Harpagus diodon e ausente no Accipiter bicolor. Além disso, o H. diodon possui a íris vermelha, cabeça grande em relação ao corpo, tarsos curtos e dedos pequenos. Já o Accipiter bicolor é identificado pela íris amarela (ou laranja), pelo corpo alongado, cabeça proporcionalmente pequena em relação ao corpo, além dos tarsos compridos terminados em dedos longos. O tamanho da cabeça em relação ao corpo, além das marcas da garganta do H. diodon, também serve para diferenciá-los em voo.


Jovens: Gavião-preto (Urubitinga urubitinga) x Gavião-asa-de-telha (Parabuteo unicinctus)


Os jovens nas mudas iniciais são parecidos, Urubitinga urubitinga é identificado pelo corpo mais esguio, tarsos compridos e calções bem barrados (barras finas e escuras), enquanto que o Parabuteo unicinctus possui calções sem barrado ou com barrado claro/ferrugíneo discreto. Dependendo da idade do P. unicinctus, pode apresentar também calções levemente ferrugíneos, contrastando com o restante do corpo. Nota-se também, que U. urubitinga possui as bochechas, garganta e peito mais claros, com poucas estrias, enquanto que P. unicinctus é mais marcado com estrias peitorais densas, e pintas regulares no abdómen.

Em voo, U. urubitinga destaca-se pelas pernas compridas com pés quase atingindo o final da cauda; as asas são largas e retangulares, com destacada área clara na base das primárias com pontas escuras, além do peito mais claro com estrias mais dispersas. P. unicinctus tem silhueta visivelmente distinta, possui asas arredondadas e pontas afiladas, base da cauda e crisso esbranquiçado, axilas mais castanhas e pernas mais curtas.


Gavião-urubu (Buteo albonotatus) x Gavião-de-cauda-curta (Buteo brachyurus) 'forma escura'


O Buteo brachyurus (forma escura) é a espécie mais confundida com Buteo albonotatus em voo. Ambos se distinguem basicamente pela silhueta e pelo padrão da cauda. Em voo, B. albonotatus adulto é identificado pelas asas retangulares, de boa envergadura, lembrando um urubu do gênero Cathartes; a cauda é longa e barrada, com uma faixa branca mais larga que as demais; a faixa preta subterminal também é bastante larga. Já o B. brachyurus adulto (forma escura), possui a cauda barrada com faixas de comprimentos parecidos, as asas são curtas e arredondadas, apresentando uma área esbranquiçada na base das primárias mais externas (característica ausente em B. albonotatus que possui as primárias barradas cinzentas iguais as demais). Pousado, B. albonotatus pode ser identificado pelo corpo mais robusto e alongado, "supercílio" amarelo bem destacado, além das diferenças nas barras da cauda.

Os jovens são mais confundíveis, ambos possuem a cauda e as penas de voo (primárias e secundárias) cinzentas e finamente barradas, além de pintas claras pelo corpo (mais comum em B. albonotatus e pouco frequente no B. brachyurus morfo escuro). A silhueta e a área clara na base das primárias são os caracteres mais confiáveis para diferenciar o jovem B. brachyrus morfo escuro do jovem B. albonotatus.


Urubu-da-mata (Cathartes melambrotus) x Urubu-de-cabeça-amarela (Cathartes burrovianus)


Pousado, Cathartes melambrotus pode ser identificado pelo amarelo na face, que se estende por debaixo da mandíbula até o pescoço, enquanto que no Cathartes burrovianus o amarelo é presente apenas nas laterais da cabeça. Em voo, C. melambrotus é identificado pela faixa de penas mais escuras nas penas de voo, em geral nas secundárias próximas das primárias, enquanto que no C. burrovianus todas as penas são cinzentas. Essa característica das penas de voo também serve para diferenciar os jovens das espécies em voo.


Caburé-miudinho (Glaucidium minutissimum) x Caburé (Glaucidium brasilianum)


Ambas espécies possuem coloração variada, com formas marrom-acinzentada, marrom e ferrugínea. Glaucidium brasilianum é identificada pelas estrias brancas no alto da cabeça, diferente da Glaucidium minutissimum que possui pequenas “pintinhas” brancas nessa região. A cauda também é diferente, na G. minutissimum a face de baixo da cauda apresenta manchas em formas de gotas ou círculos, enquanto que na G. brasilianum a cauda é toda barrada.


Falcão-de-peito-laranja (Falco deiroleucus) x Cauré (Falco rufigularis)



A melhor característica para identificar essas duas espécies é pela coloração do peito. No Falco deiroleucus adulto o peito é ruivo (rufo) uniforme, enquanto que no Falco rufigularis o peito é predominantemente branco (sem a faixa ruiva uniforme). Porém, é importante atentar-se a intensidade e uniformidade do ruivo do peito, pois alguns indivíduos de F. rufigularis possuem um pouco de ruivo no peito e laterais do pescoço o que pode gerar confusão com o outro falcão, para esses casos nota-se que o ruivo é pouco intenso, parecendo “plumagem suja”. F. rufigularis também tem o colete preto mais extenso, corpo esbelto, tarsos finos e dedos pequenos, enquanto que o F. deiroleucus possui cabeça larga, tarsos grossos e dedos possantes e alongados, bem desproporcionais ao restante do corpo da ave. O jovem de F. deiroleucus não possui o peito ruivo, diferenciando-se do F. rufigularis principalmente pelos tarsos e dedos possantes, colete preto com fundo sujo, e pelas estrias peitorais escuras.


Caracará-do-norte (Caracara cheriway) x Caracará (Caracara plancus)


A diagnose para as duas espécies é confusa e incerta, alguns especialistas simplesmente consideram improvável a diferenciação pela plumagem. Caracara cheriway adulto é mais esguio, de menor porte, escuro por baixo das asas e mais manchado no peito, o dorso é mais claro se comparado ao Caracara plancus; no entanto, são diferenças sutis e imprecisas.

A maneira mais segura de diferenciar as duas espécies é pela área de ocorrência, C. cheriway ocorre do norte do rio Amazonas até o sul dos Estados Unidos, enquanto que o C. plancus ocorre do sul do rio Amazonas até o extremo sul da Argentina. Porém, na zona de contato das duas espécies (Amazônia central ao longo do rio Solimões/Amazonas) pode haver indivíduos híbridos ou sobreposição das espécies, sendo mais prudente a identificação a nível de gênero (Caracara sp) nessa região.


Jovens: Falcão-caburé (Micrastur ruficollis) x Falcão-relógio (Micrastur semitorquatus)

O padrão barrado do ventre pode ser uma ótima característica para diferenciar os jovens dessas espécies. No jovem Micrastur semitorquatus as barras são grossas, enquanto que no jovem Micrastur ruficollis são bem mais estreitas. Além disso, M. semitorquatus possui tarsos mais grossos, cauda comprida, bico maior em relação ao crânio e barras ferrugíneas no dorso escuro. Já o M. ruficollis possui corpo mais atarracado, bico e cauda pequena e dorso de coloração mais uniforme. A cor e a extensão do semicolar do pescoço também é diferente nas espécies, no M. ruficollis esse semicolar é mais esbranquiçado e curto, e no M. semitorquatus é mais escuro e extenso.


Outros elementos a serem considerados na identificação

Além das características morfológicas diagnósticas discutidas no texto, outros elementos podem ser muito importantes na identificação das espécies, como o local do registro, a data, hábitat, comportamento da ave, dieta, modo de voo e vocalização.

Por exemplo, um caracará registrado no Rio Grande do Sul certamente é o Caracara plancus e não o Caracara cheriway (que ocorre apenas no norte do país); Um Ictinia registrado no mês de junho no Mato Grosso é mais provável que seja o I. plumbea do que o I. mississippiensis (que só passa pela região a partir de agosto/setembro); Um gavião de cor cinza e calções ferrugíneos avistado na borda da mata predando uma rolinha é mais provável de ser o gavião-bombachinha-grande Accipiter bicolor (que possui dieta ornitófago) do que o gavião-bombachinha Harpagus diodon (que é basicamente insetívoro). Um Micrastur avistado de relance entre as folhagens da árvore vocalizando chamados descritos como “ao.. ao..” certamente é o M. semitorquatus e não o M. ruficollis (que canta de forma diferente).

Lembrando que nos exemplos "ser provável" não significa que seja a espécie, são apenas pistas muito fortes que em conjunto com os caracteres morfológicos, resultará na correta identificação da ave.

Obviamente há várias outras espécies que frequentemente geram confusões entre os observadores de aves, alguns casos chegam a envolver três ou mais possiveis espécies na identificação. Por isso, na dúvida procure sempre um especialista! É possível publicar suas fotos/sons no Wikiaves ou no grupo “Identificação_de_aves_(Facebook)”, que membros mais experientes vão esclarecer suas dúvidas e identificar a espécie.

 

Citação recomendada:

Menq, W. (2016) Identificação básica de rapinantes similares - Aves de Rapina Brasil. Disponível em: < http://www.avesderapinabrasil.com/arquivo/artigos/ARB4_5.pdf > Acesso em: .



 

 
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