Olá Eduardo Pio Carvalho, tudo bem, obrigado por ceder essa entrevista para o Portal.
1 - Inicialmente, fale um pouco sobre você, onde nasceu, instituição que estudou, onde vive e trabalha atualmente
R -
Obrigado pelo convite, é um prazer falar um pouco da minha experiência e sobre a instituição S.O.S. Falconiformes. Nasci em Belo Horizonte – MG, em 1974, Estado privilegiado para os estudos de aves de rapina. Passei a minha infância e adolescência em contato com a natureza, na casa de meus pais perto da Serra do Curral, onde era possível observar um casal de Geranoaetus melanoleucus, ou na fazenda da família. Sou graduado em engenharia ambiental pela universidade FUMEC. Cheguei até fazer engenharia elétrica, curso pelo qual nunca me interessei, chegando ate matar provas de calculo IV para ir a congressos de ornitologia. Atualmente, moro em Belo Horizonte com minha esposa e trabalho em minha empresa de consultoria ambiental, composta por mais dois sócios.
2 - Por que aves de rapina? como surgiu seu interesse pelas aves de Rapina?
R - As aves de rapina são únicas, não poderia ter escolhido um grupo melhor. Elas nos proporcionam uma dimensão completa do meio que estão inseridas. Temos que percorrer grandes extensões e ambientes para conhecer sua área de vida, analisar outros grupos faunísticos para conhecer suas dietas, enfim são fascinantes. O interesse por estas aves começou quando, ainda menino. Eu e meu irmão Gustavo Diniz conhecemos nosso vizinho Carlos Eduardo que cuidava de aves de rapina machucadas trazidas por seu pai do campo que na época era caçador. Após fatos como estes decidimos cuidar destas aves levando-as para fazenda de meu pai. Tratamos de muitos filhotes, outros acabavam morrendo por nossa falta de experiência, mas uma coisa era certa, ali estava nascendo a S.O.S. Falconiformes. O projeto tomou uma proporção bem maior e atualmente as instalações das aves da S.O.S. Falconiformes estão nesta fazenda.
3 - Qual sua espécie favorita?
R - Os representantes do gênero Spizaetus me atraem mais. O ambiente em que vivem e sua biologia são fascinantes. Mas cada espécie de aves de rapina tem sua particularidade.
4 - Qual foi o momento mais marcante em sua carreira (experiência mais inesquecível)?
R - Acompanhar ninhos de grandes rapinantes em plataformas montadas em árvores emergentes ou dependurado por uma corda em penhascos é sempre uma experiência inesquecível. Sempre recordo do registro de Spizaetus ornatus chegando em seu ninho com um mico-estrela em suas garras, ou dos adultos S. Tyrannus alimentado seu filhote, e também do macho de Harpyhaliaetus coronatus trazendo um grande tatu nas garras para a fêmea que incubava ovo. A dieta das aves de rapina me fascina!
Este ano não esqueço do dia que a amiga Tânia Sanaiotti me ligou informando que a Harpia reabilitada a dois anos no sul da Bahia, no projeto que também participamos, estava construindo um grande ninho juntamente com um macho. Este dia foi um marco para a conservação do Gavião-real na Mata Atlântica.
5 - Em 1997 você fundou a SOS Falconiformes, uma associação civil destinada a pesquisa e conservação das aves de rapina neotropicais, atuando principalmente na região leste do Brasil. Fale um pouco mais da SOS Falconiformes, metas, programas realizados, destacando os principais trabalhos científicos realizados pela entidade.
R -
A S.O.S. Falconiformes foi idealizada por mim, meu irmão Gustavo Diniz e o amigo Carlos Eduardo Alencar. Alguns anos depois conhecemos Giancarlo Zorzin na Serra do Curral, acompanhando o ninho do Geranoaetus melanoleucus. Depois veio o pesquisador de dossel Marcus Canuto e, mais recentemente, o Carlos Eduardo Benfica, o nosso veterinário Pablo Pessoa Poblete, Jorge Sales Lisboa, um dos precursores da falcoaria no Brasil, Rodrigo Armond e outros integrantes que fazem da S.O.S. um grupo altamente competente e dedicado a conservação das aves de rapina.
Entre as principais metas da S.O.S. FALCONIFORMES é que buscamos desenvolver métodos mais eficientes, visando o recenseamento das espécies neotropicais; coletar dados inéditos sobre a biologia e ecologia das nossas espécies, observado a falta de conhecimento; também buscamos determinar o tamanho e a qualidade de habitats florestais e campestres exigidos para manter populações viáveis. E ainda, desenvolver programas de educação ambiental e divulgação, promover o treinamento e a qualificação dos recursos humanos, além de iniciar programas de reprodução em cativeiro das espécies em risco, visando o revigoramento das populações destas espécies.
Os nossos trabalhos se dividem em programas ex situ (em cativeiro) e in situ (na natureza). Já produzimos alguns trabalhos descritivos sobre a biologia reprodutiva de algumas espécies, sendo também possível somar dados sobre a dieta destas aves. Em 2004, iniciamos uma pesquisa sobre a assembléia de rapinantes do Parque Estadual do Rio Doce, que representa a maior reserva de Mata Atlântica do estado (aproximadamente 36mil ha). Neste trabalho, analisamos a eficiência dos métodos indicados para o inventariado do grupo. Atualmente, aplicamos tais métodos em outras regiões de Minas Gerais e do país, como no sul da Bahia em parceria com VERACEL e o INPA. No Programa “Pesquisa e Conservação de Aves de Rapina Ameaçadas” estamos somando dados fundamentais para a conservação destas espécies, além de estabelecer novas parcerias. Dentro deste programa, estamos executando em todo o Estado de Minas Gerais o “Projeto Águia-cinzenta”, com o financiamento do IEF (Instituto Estadual de Florestas), promovendo a educação ambiental nas áreas de ocorrência da espécie, além da coleta de dados inéditos sobre a ecologia desta águia. Estamos somando informações também sobre os Gaviões-de-penacho, com o monitoramento de ninhos de Spizaetus melanoleucus, S. tyrannus e S. ornatus.
Buscamos também apoiar trabalhos acadêmicos em parcerias com Universidades. Cito os trabalhos de pós-graduação, como aqueles realizados por Carlos Eduardo A. Carvalho na PUC Minas, Sobre a biologia da espécie Ictinea plúmbea no norte do estado, por Marcus Canuto na UFOP, sobre a ecologia de raptores diurnos no P.E. do Rio Doce, e a pesquisa sobre a influência da paisagem sobre a abundância e a distribuição de Falconiformes na Zona da Mata mineira, realizado por Giancarlo Zorzin na UFV.
6 - Quais os maiores desafios para a preservação das aves de rapina? o que você e sua equipe vem constatando com as pesquisas? Quais ações são necessárias para reverter esse quadro?
R - Temos constatado que, apesar da ampla distribuição de muitas espécies, estas ocorrem em baixa densidade local e a maioria dos registros ocorreram com indivíduos isolados sem nenhuma evidencia da reprodução local destes táxons. A sensibilidade de muitas espécies fica evidente com o desaparecimento das mesmas em muitas áreas fragmentadas e/ou modificadas pelo Homem, como temos observado em diversas regiões do sudeste do país. Desta forma, o grande desafio é garantir a preservação de áreas com extensões suficientes para manter populações viáveis destas aves, além de proporcionar proteção integral a seus sítios de reprodução ativos.
Em todas as áreas constatamos também o preconceito das pessoas em relação as aves de rapina; estas aves sofrem com problemas secundários como a caça e a perseguição, ameaças que tendem a diminuir a População Efetiva, comprometendo sua conservação regional. Para reverter esse quadro devemos iniciar programas de Educação Ambiental, somar dados sobre a ecologia das espécies para suprir a falta de conhecimento, atuar em planos de manejo e criações de novas UC’s. Alem disso, o Governo deve desenvolver políticas publicas em prol da conservação do meio ambiente e não ter o agro-negócio em prioridade.
7 - A SOS Falconiformes usa a falcoaria para programas diversos da entidade e no controle de fauna. De que forma as técnicas de falcoaria podem colaborar a preservação das aves de rapina?
R - A falcoaria é uma grande aliada na conservação das aves de rapina. Grandes instituições no exterior foram iniciadas por falcoeiros e o primeiro falcão peregrino reproduzido em cativeiro de forma natural foi realizado pelo falcoeiro alemão Renz Waller em 1945. As técnicas de falcoarias aplicadas em nossas aves vem ajudando em projetos de reabilitação e preparo para futuras matrizes para o programa de reprodução em cativeiro. As aves que utilizamos hoje para controle de fauna poderão ser uma excelente matriz no futuro no programa de reprodução, seja por inseminação artificial ou natural. Exemplo disso é o macho de S. Ornatus que foi preparado na S.O.S. Falconiformes com técnicas de falcoaria e hoje esta no projeto de reprodução da espécie em cativeiro em parceria com o Zoológico de São Paulo. A fêmea também foi manejada com técnicas de falcoaria pelo zoológico antes do pareamento. Este casal já gerou quatro filhotes mostrando eficiência dos métodos aplicados.
8 – O que você e sua instituição tem feito para atualizar suas pesquisas uma vez que novas ferramentas e métodos surgem a cada dia?
R - Estar inserido no mercado e sempre atualizado é importante em qualquer profissão. Sempre leio novos livros e artigos científicos e troco informações com os colegas do ramo. Participar de congressos é sempre muito importante, assim podemos conhecer novos projetos e apresentar nossas pesquisas. Buscamos em vários congressos internacionais trocar informações e discutir questões referentes ao estudo destas espécies, sendo possível conhecer novas linhas de pesquisa de programas internacionais e interagir com outros pesquisadores. Em 2002, participei da primeira Conferencia Sobre Aves de Rapina Neotropicais e o Simpósio da Águia-Harpia no Panamá. Foi uma experiência única estar ali, com os principais pesquisadores de aves de rapina do mundo. Em 2006, participamos do II Congresso de Aves de Rapina Neotropicais. Em 2007 fomos convidados para participar do Segundo Encontro da Eagle Conservation Aliance (ECA), no México, onde pudemos discutir e aprender sobre os principais projetos de conservação de aves de rapina do mundo; o mesmo aconteceu em 2009, no Terceiro Encontro da ECA, na Espanha, do qual também participamos.
Diversificamos as nossas linhas de pesquisa com a integração de nossos pesquisadores em programas de pós-graduação e nos seus respectivos departamentos e laboratórios. Essa inclusão é fundamental para a qualificação dos profissionais, proporcionando o domínio de novas ferramentas e métodos de pesquisa. Assim é possível produzir os mais diversos trabalhos científicos, com a utilização e direcionamento de novas técnicas, como aquelas empregadas em trabalhos de ecologia da paisagem, fotointerpretação, uso do habitat e em estimativas populacionais.
9 - São muitos os jovens e estudantes que pretendem seguir na carreira de pesquisa e conservação com aves, que mensagem/dicas você daria a este público?
R- Primeiramente, nós brasileiros somos privilegiados por nossa rica biodiversidade. Aqui é o local certo para qualquer pesquisador e adeptos pela vida selvagem. Apesar disso, o meio ambiente pede socorro. Quanto mais pesquisas sejam desenvolvidas no Brasil, mais podemos traçar metas para a conservação de nossa biota. Precisamos de vocês!!!!
O mundo das aves me amadureceu bastante, conheci vários países, fiz novas amizades e vi que a vida vai muito mais alem do dia a dia das grandes cidades. Sigam em frente, façam estágios em bons projetos e estudem bastante. Com gosto e dedicação qualquer objetivo pode ser alcançado.
Eduardo Pio Mendes de Carvalho Filho
SOS Falconiformes
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